terça-feira, 30 de agosto de 2016

Wikipédia contra a ignorância racional

Por João Alexandre Peschanski
A falta de memória política, ou mais precisamente o custo de lembrar de nossas decisões políticas passadas quando temos de tomar novas decisões políticas, é uma possível explicação para a baixa qualidade na participação política. Esse tipo de argumento, associado à noção de “ignorância racional”, descrita pelo cientista político norte-americano Anthony Downs, pode ser relacionado às estratégias do voto. Há evidências de que eleitores não costumam lembrar em quem votaram nas últimas eleições ou as circunstâncias específicas em que eleições passadas se deram. Assim, a memória das decisões passadas em eleições têm pouca influência na hora de votar de novo.
Memorizar os acontecimentos em nossa atuação política é esforço demais, se comparado ao impacto que esperamos ter na definição de um pleito democrático. Esse impacto é normalmente nulo. O voto individual em um eleitorado de milhões de pessoas tem normalmente zero impacto. Ao que consta, não há registro de pleitos com milhões de votantes que tenha sido decidido por apenas um voto. Com isso, o eleitor racional avalia que o benefício esperado de um voto informado será menor do que o custo de tempo e dinheiro associado a buscar informações de qualidade ou ativar a memória política.
A informação a custo zero, aquela que praticamente não demanda qualquer esforço para ser obtida, é normalmente considerada a única que será absorvida por eleitores racionais, isto é, racionalmente desinteressados e apáticos. Espera-se que a informação a custo zero seja do tipo que dá mais vantagens a quem a emite do que a quem a recebe, ou seja, propaganda de baixa qualidade.
A teoria da ignorância racional, de Downs, foi alvo de muitas críticas, mas serviu de panorama teórico para um projeto sobre eleições no curso de rádio, TV e internet, na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo (SP), no primeiro semestre de 2016. Cada um dos 71 estudantes matriculados na disciplina de ciência política, oferecida no terceiro ano do curso, ficou responsável por criar um verbete na Wikipédia sobre uma eleição municipal brasileira em 2012, principalmente de cidades grandes do estado de São Paulo. Um dos dez sites mais acessados do mundo, a Wikipédia é informação a custo zero — mais do que isso, é um dos raros repositórios com informação potencialmente de qualidade a custo zero (grátis, fácil de achar, com linguagem acessível). Uma descrição do projeto pode ser lida nesta página.
Entre as atividades desenvolvidas, estudantes melhoraram a qualidade de dezenas de verbetes já existentes sobre eleições no Brasil, como artigos sobre o Tribunal Superior Eleitoral e o horário político, e finalmente criaram artigos próprios. Para isso, participaram de oficinas voluntárias, oferecidas pelo Grupo de Usuários Wikimedia no Brasil. Verbetes criados incluem as eleições municipais em 2012 de Araraquara, Araras, Assis, Atibaia, Barretos, Barueri, Bauru, Birigui, Botucatu, Bragança Paulista, Caraguatatuba, Carapicuíba, Catanduva, Cotia, Cubatão, Diadema, Francisco Morato, Ferraz de Vasconcelos, Franca, Franco da Rocha, Guarujá, Hortolândia, Indaiatuba, Itapetininga, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jacareí, Jaú, Jandira, Jundiaí, Leme, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Ourinhos, Pindamonhangaba, Piracicaba, Poá, Praia Grande, Presidente Prudente, Ribeirão Pires, Rio Claro, Santa Bárbara d’Oeste, Santana de Parnaíba, Santo André, Santos, São Caetano do Sul, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Vicente, Sertãozinho, Sumaré, Suzano, Taboão da Serra, Tatuí, Taubaté, Valinhos, Várzea Paulista e Votorantim, além das capitais de estado Cuiabá, Maceió, Rio Branco, Porto Velho e Vitória. Alguns verbetes, como o do município de São Paulo, já existiam.
A expectativa desse projeto, que permitiu discutir em várias aulas o modo como eleições são organizadas no Brasil — abordando coligações, debates, financiamentos, custos de campanha, votações por sistema de maioria absoluta e relativa, votações legislativas, funções de prefeitos e vereadores —, é que, em alguma medida, potenciais eleitores, principalmente na hora de tomar a decisão no pleito de 2016, possam usar a informação de qualidade a custo zero que os estudantes criaram para melhorar seu voto e, quem sabe, nossa vida política.

João Alexandre Peschanski é professor de ciência política na Faculdade Cásper Líbero e entusiasta da wiki-pedagogia. Obrigado às alunas e alunos do terceiro ano de RTVI pela dedicação na realização desse projeto.

(A matéria foi originalmente publicada no portal ARede Educa, CC-BY-SA).

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